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A QUARENTENA E AS RELAÇÕES LOCATÍCIAS VIGENTES

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Vivemos um momento inédito para a atual geração de brasileiros e que gera impacto na saúde mundial e na ordem econômica.

Desde que o termo “Pandemia”, epidemia amplamente disseminada, passou a ser divulgado nas diversas mídias, começaram a surgir questões como quais as consequências poderia ocasionar nas mais variadas áreas.

Após atingir outros continentes, aos poucos a epidemia foi atingindo o Brasil e cidades com um número populacional significativo, ocasionando na decretação do estado de calamidade pública.

Antes da decretação do estado de calamidade, o Governo Federal editou a lei 13.979 de 06 de fevereiro de 2020 que dispõe sobre as medidas a serem tomadas para o enfrentamento da emergência na saúde pública.

No artigo terceiro da citada lei federal há permissão aos Estados e Municípios para praticarem atos com a finalidade de salvaguardar a ordem e a saúde pública, vejamos:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

I – isolamento;

II – quarentena;

III – determinação de realização compulsória de:

a) exames médicos;

b) testes laboratoriais;

c) coleta de amostras clínicas;

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

e) tratamentos médicos específicos;

IV – estudo ou investigação epidemiológica;

V – exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver;

VI – revogado.

VI – restrição excepcional e temporária, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, por rodovias, portos ou aeroportos de:               (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

a) entrada e saída do País; e (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

b) locomoção interestadual e intermunicipal; (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)

VII – requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e

VIII – autorização excepcional e temporária para a importação de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa, desde que:

a) registrados por autoridade sanitária estrangeira; e

b) previstos em ato do Ministério da Saúde.

Para fins do tema proposto a este estudo, destaca-se o inciso II, “quarentena”, pelo qual possibilitou a suspensão de atividades comerciais, de prestação de serviços e a circulação de pessoas nos Estados e Municípios.

Apenas para exemplificar, seguindo o permissivo da lei federal, no Estado e Município de São Paulo foram editados respectivamente os Decretos 64.881/2020 e 59.298/2020.

Com a recomendação de não circulação, de fechamento de parte do comércio e da suspensão da grande parte dos serviços, um grande problema surgiu nas relações locatícias residenciais e não residenciais. Como ficaria o cumprimento da obrigação de pagamento do aluguel? Como ficariam os Locadores sem receber a renda proveniente do contrato?

O cenário que vivenciamos e que provavelmente tende a se prolongar é de inquilinos inadimplentes, não por vontade própria, mas por impossibilidade de pagamento.

As locações não residenciais dependem da atividade empresarial rentável para que o aluguel seja pago, já as locações residenciais dependem da remuneração do locatário, seja empresário, empregado ou autônomo.

Esse quadro que afeta o contrato será objeto de teses pelos mais renomados civilistas e especialistas do direito imobiliário, as quais aguardamos, aqui buscamos apenas fomentar o estudo e analisar os princípios contratuais aplicáveis pelo momento singular.

Na lei de locação nº 8245/91 temos dois dispositivos que tratam da revisão contratual e permitem a revisão judicial nos contratos com prazo superior a 3 (três) anos para adequação ao preço do mercado, e no meu entender, analogicamente à situação de calamidade pública:

Art. 18. É lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de        reajuste.

Art. 19. Não havendo acordo, o locador ou locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado.

É importante atentar para o fato de que estamos falando de revisão e não de reajuste ou correção. Também não é o caso de renovação das locações não residenciais que encontram previsão no art. 51 da lei especial. Trata-se de regra geral aplicável aos contratos de locação.

Além da lei especial, por ser o contrato de locação uma relação obrigacional, aplica-se naquilo que for omissa as normas do Código Civil.

Recentemente tivemos a alteração do art. 421 do Código Civil que em seu parágrafo único busca a intervenção mínima do estado no contrato entre particulares, porém, não pode prevalecer sobre a previsão constitucional do art. 5º, XXXV, em especial nesse momento sui generis.

A nova redação do art. 421 assim dispõe:

Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual

    Afastado o parágrafo único, observa-se no caput do artigo o princípio da função social que deve ser aplicado na solução dos casos envolvendo locação. A Função Social do contrato como regra geral é princípio pelo qual guiou-se o legislador na lei 8245/91, conforme já expus em breve estudo anterior.

Há quem defenda a possibilidade de resolução ou revisão do contrato sem ônus às partes, consubstanciado na teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva.

A cláusula rebus sic stantibus encontra-se implícita nos contratos de trato contínuo e no nosso ordenamento civil nos arts. 478 e 479:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Embora o art. 479 fale na possibilidade de modificação equitativa das condições, o art. 478 condiciona a existência de quatro elementos: contrato de execução continuada, onerosidade da prestação de uma das partes, extrema vantagem para a outra parte e acontecimento extraordinário e imprevisível.

A questão que nos surge é sobre a aplicação do referido artigo em caso da ausência de um dos quatros elementos. Aqui já me posiciono contrário, pois não vislumbro a ocorrência da extrema vantagem, quisesse o legislador uma extensão alternativa na interpretação, utilizaria a conjunção “ou”, o que não é o caso.

Não obstante, entendo que o art. 479 com a adequação, pode ser utilizado para atender a função social e a manutenção dos contratos.

A situação exigirá a análise do caso concreto e suas particularidades, o contrato de locação como já frisado, é de trato contínuo, em sua maioria com tempo determinado e não de execução imediata.

Ainda que os efeitos da quarentena possam alterar a capacidade da parte em cumprir os termos do contrato, pela natureza do negócio e o tempo de vigência como fator relevante, me filio aos que preferem aplicar a teoria do caso fortuito e da força maior, in casu¸ a força maior que ocorre no evento imprevisível e inevitável.

Pelo art. 393 do Código Civil, que no meu entender é o que mais se enquadra ao momento, excluimos a responsabilidade do devedor pela mora contratual e consequentemente a decretação de despejo em razão do inadimplemento:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Como o tempo de vigência faz parte da expectativa das partes na formação do contrato e expressão da sua vontade, requisito de existência do negócio jurídico, a duração da quarentena é que vai definir o real impacto contratual.

O direito do locatário em ver resolvido o contrato encontra obstáculo no tempo do contrato e na possibilidade de sua manutenção. Não estamos falando em impossibilidade momentânea de adimplemento do aluguel, especialmente pelo uso da coisa no período.

Assim, aplicando-se o art. 393 do Código Civil permitimos que o contrato seja mantido com o fim a que se destina, minimizando os prejuízos de ambos os contratantes.

Cabe ressaltar ainda que eventual dispensa do locatário empregado, ainda que provocada pela quarentena, não se enquadra como fato imprevisível, pois pode decorrer de diversos fatores, portanto, não pode ser causa de resolução contratual.

Utilizando-se o motivo de força maior o pagamento do aluguel poderá ser efetuado de forma diferida sem que isso implique em sanção.

O agravamento econômico ocasionado pelas medidas adotadas pelo poder público na epidemia do COVID-19 gerou impacto nas relações privadas entre locadores e locatários.

A solução está na aceitação do motivo de força maior, afastando todos os prejuízos e penalidades para revisar o contrato, seja no tempo de concessão do uso, no prazo para pagamento ou no valor da contraprestação.

Por fim, encerro o breve estudo destacando que a função social e econômica da locação exige esforços na manutenção dos contratos.

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Referências Bibliográficas:

Constituição Federal de 1988 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

Lei 8.245 de 18 de outubro de 1991 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8245.htm

Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm

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Publicado em 25 de março de 2021
Luis Fabio Mandina Pereira
Advogado no Mandina Pereira Escritório de Advocacia – Diretor da Comissão de Direito Imobiliário da 116ª Subseção OAB/SP

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