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A FIGURA DO LOCADOR NAS LOCAÇÕES IMOBILIÁRIAS – PARTE 3

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As Obrigações Legais do Locador

Este artigo encerra uma série de três textos sobre a figura do locador na relação locatícia.

Nos dois primeiros textos, abordamos os planos de validade e eficácia contratual, explorando as diferenças entre o locador possuidor e o locador proprietário, e os respectivos efeitos jurídicos de cada situação.

Neste artigo, abordaremos de forma sucinta as obrigações contratuais do locador.

Nem sempre aquele que loca um imóvel tem conhecimento sobre a extensão das obrigações contratuais que vão além da disponibilização do imóvel ao inquilino.

A locação é um contrato bilateral, que pode ser formalizado por escrito ou verbalmente, e gera obrigações para ambas as partes.

Sem prejuízo de obrigações estabelecidas pelas próprias partes, a lei de locação, com sua natureza de norma cogente (de ordem pública), elenca em seu art. 22 um rol mínimo de obrigações do locador, assim descrito:

Art. 22. O locador é obrigado a:

I – entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;

II – garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;

III – manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;

IV – responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação;

V – fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes;

VI – fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas, vedada a quitação genérica;

VII – pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador;

VIII – pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato;

IX – exibir ao locatário, quando solicitado, os comprovantes relativos às parcelas que estejam sendo exigidas;

X – pagar as despesas extraordinárias de condomínio.

Parágrafo único. Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente:

a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel;

b) pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas;

c) obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício;

d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação;

e) instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer;

f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum;

g) constituição de fundo de reserva.

A redação da lei indica que são várias as obrigações do locador, algumas das quais podem ser distribuídas contratualmente entre as partes.

Abordaremos cada uma para melhor compreensão.

ENTREGAR AO LOCATÁRIO O IMÓVEL ALUGADO EM ESTADO DE SERVIR AO USA A QUE SE DESTINA

Como é cediço, a principal finalidade da locação é a utilização do imóvel pelo locatário, portanto, inicialmente, o imóvel deve apresentar condições mínimas para seu uso regular.

Nas locações residenciais, espera-se que tenha condições mínimas para habitação, enquanto nas locações comerciais, aptidão a cumprir as exigências do poder público quanto a atividade exercida no local.

Isso não significa que o imóvel deve obrigatoriamente encontrar-se em perfeito estado de conservação, pois existem vícios aparentes e que a restauração pode ser convencionada de forma diversa pelas partes. Os vícios ocultos, quando conhecidos, podem levar ao questionamento do contrato, especialmente se a reparação for economicamente inviável.

É importante frisar que nas locações comerciais o locador não é obrigado a conhecer as necessidades do negócio que será instalado no imóvel. Exigências do poder público devem ser de conhecimento do locatário, a quem cabe a devida análise de adequação antes da contratação.    

GARANTIR, DURANTE O TEMPO DA LOCAÇÃO, O USO PACÍFICO DO IMÓVEL LOCADO

De forma diversa a que muitos escrevem sobre o tema, ao nosso entender a locação imobiliária não divide a posse do imóvel entre direta e indireta, mas o locador entrega ao locatário a detenção do bem, ou seja, sem qualquer natureza de propriedade, porém, essa detenção decorre de um contrato pelo qual o uso é da sua finalidade principal. Esse uso deve ser exercido sem qualquer interferência, garantindo que ocorra de forma mansa e pacífica.

Neste ponto temos duas formas de interferência que são vedadas, a primeira pelo próprio locador, que no curso do contrato somente possui direito a ingressar no imóvel com autorização do locatário ou por ordem judicial. O locador não deve incomodar o locatário no imóvel, salvo casos de ruína do bem ou risco eminente, mas sempre deverá buscar o judiciário. É importante lembrar que o locatário tem obrigação de devolver o imóvel nas condições em que recebeu, mas somente ao final do contrato.

Isso não significa que o locador está impedido de acompanhar o uso durante o contrato, mas deverá fazê-lo com vistorias periódicas, previamente previstas no contrato.

A segunda forma de interferência é aquela praticada por terceiros. Tão logo o locador tenha ciência sobre eventual turbação ou esbulho possessório, terá legitimidade e o dever de propor a demanda adequada, para garantir o uso do locatário.

MANTER, DURANTE A LOCAÇÃO, A FORMA E O DESTINO DO IMÓVEL

Aqui uma obrigação que nos parece lógica.

O imóvel como objeto da locação, possui determinadas características estruturais que o torna singular e objeto de escolha pelo locatário.

Seja a quantidade de ambientes específicos, seja pelo tamanho da área útil, garagens, quintal ou coberturas, o imóvel é entregue com base na descrição contratual e no termo de vistoria de entrada.

De forma conexa com a obrigação anterior pela qual ao locador é vedado interferir no uso do imóvel pelo locatário, aqui, a proibição é para fins de alteração do “prédio” ou do espaço, salvo aceite do locatário e ajuste entre as partes, caso em que as alterações ficam permitidas.

A vedação da lei aplica-se para intervenções unilaterais, aquelas em que apenas a vontade do locador é externada. Ressalte-se que as obras necessárias e por ordem do poder público não estão incluídas na presente vedação.

RESPONDER PELOS VÍCIOS E DEFEITOS ANTERIORES À LOCAÇÃO

O locatário tem por dever realizar todas as manutenções normais para evitar a deterioração do imóvel. Ao locador a lei imputa a responsabilidade pelos defeitos estruturais, como telhados, vigas, encanamentos, rede elétrica, entre outros.

Não é raro que alguns imóveis possuam vícios ocultos, desconhecidos das partes, e que podem aparecer no curso da locação.

A lei transfere ao locador a obrigação de repará-los, uma vez provados que não são provenientes de mau uso e que tiveram início antes mesmo da locação.

Ressaltamos que esses vícios não precisam ser de natureza estrutural, apenas que tenha origem em tempo pretérito à locação ou causa anterior.

FORNECER AO LOCATÁRIO, CASO ESTE SOLICITE, DESCRIÇÃO MINUCIOSA DO ESTADO DO IMÓVEL, QUANDO DA SUA ENTREGA, COM EXPRESSA REFERÊNCIA AOS EVENTUAIS DEFEITOS EXISTENTES

Estamos diante do laudo de vistoria de entrada, um documento importante no contrato de locação e muitas vezes ignorado ou simploriamente elaborado.

Mais do que uma obrigação do locador, o laudo de vistoria serve como prova e garantia para que possa provar o estado em que entregou o imóvel ao locatário, que terá a obrigação de devolvê-lo no mesmo estado de conservação.

Sem a vistoria de entrada o locador não tem como provar eventual alteração no imóvel ou que os danos não eram preexistentes.

Entendemos que entre todos os documentos acessórios que possam acompanhar a locação imobiliária, o laudo inicial assinado e aceito por ambas as partes, assegura a todos no cumprimento do dever da boa-fé contratual.

 Assim, em razão da sua importância, é imperioso que o locador providencie às suas expensas a realização do laudo de vistoria no começo da locação, sendo vedada a transferência de eventual custo ao locatário.

FORNECER AO LOCATÁRIO RECIBO DISCRIMINADO DAS IMPORTÂNCIAS POR ESTES PAGAS, VEDADA A QUITAÇÃO GENÉRICA.

Também muito comum nas locações mais informais, o famoso “pacote fechado”, no qual o locador soma o aluguel e demais encargos como impostos, contas de consumo, condomínio, e fecha um valor fixo com o inquilino assumindo o pagamento de todas as verbas.

Não existe vedação legal, porém, caso o locador opte pelo pacote por preço fechado, as obrigações de pagamento devem ser transferidas contratualmente para sua pessoa, deixando ao inquilino apenas o aluguel.

O que muitos não sabem ou não são previamente orientados, é que são obrigações de naturezas distintas e possuem formas de correção diversas.

O aluguel, por força de lei, somente pode ser corrigido anualmente e pelos índices contratualmente definidos. Já as despesas de condomínio sofrem alteração conforme decisão assemblear, assim como os impostos recebem correções anuais e fixadas pelo poder público.

Ao estabelecer ao inquilino a responsabilidade pelo pagamento de tais encargos, é obrigatório que o recibo de aluguel descrimine todos os lançamentos de forma a individualizá-los.

Mostra-se importante o cuidado na redação da cláusula contratual e na elaboração dos recibos, pois podem transferir obrigações que normalmente seriam de uma parte para a outra, sem entrar no mérito das questões tributárias.

PAGAR AS TAXA DE ADMINISTRAÇÃO IMOBILIÁRIA, SE HOUVER, E DE INTERMEDIAÇÕES, NESTAS COMPREENDIDAS AS DESPESAS NECESSÁRIAS À AFERIÇÃO DA IDONEIDADE DO PRETENDENTE OU DO SEU FIADOR  

A administração de imóveis no Brasil vem sofrendo cada vez mais alterações na forma de disponibilização do imóvel, como é o caso das múltiplas plataformas digitais que não estabelecem nenhum vínculo com o locador ou com o locatário e pelas quais as partes menos interagem com pessoas.

Em regra geral, a intermediação imobiliária é um serviço prestado por corretores ou por empresas devidamente habilitadas, cadastradas pelos conselhos regionais e autorizadas a exercer o serviço.

Partindo do princípio de que o imóvel é um objeto entregue na imobiliária para a obtenção de um negócio, inicialmente temos a relação de prestação de serviços entre administradora e locador. A imobiliária, quando faz a cobrança do aluguel, faz em nome do locador, ou seja, é uma intermediadora em nome de terceiros.

O serviço de administração provém de um contrato de administração com cláusula mandato, em que a imobiliária figura como mandatária, sem responder pelas obrigações contratuais na locação propriamente dita, seu contrato é diretamente como o locador.

Dessa forma, a lei veda que as despesas provenientes desse contrato sejam repassadas aos inquilinos, assim como proíbe a cobrança de qualquer verba à título de pesquisa de idoneidade.

Cabe ao locador ou a própria imobiliária, enquanto mandatária, avaliarem a documentação apresentada.

A vedação da lei refere-se a custo com o serviço, permitindo-se exigir do inquilino a apresentação de documentações como certidões de casamento, nascimento, matrícula imobiliária, documentos pessoais ou outros necessários.

PAGAR OS IMPOSTOS E TAXAS, E AINDA O PRÊMIO DE SEGURO COMPLEMENTAR CONTRA FOGO, QUE INCIDAM OU VENHAM A INCIDIR SOBRE O IMÓVEL, SALVO DISPOSIÇÃO EXPRESSA EM CONTRÁRIO NO CONTRATO

Aqui temos obrigações as quais, na prática, são transferidas ao inquilino, principalmente em razão da permissão legal para essa transferência. No próprio texto do inciso, temos “salvo disposição expressa em contrário no contrato”.

Boa parte da lei 8.245/91 fixa normas de caráter cogente, como frisamos no início, limitando a disposição de direitos pelas partes, porém, esse inciso nos apresenta uma das exceções..

Não existindo previsão contratual quanto a quem deve pagar pelos impostos, taxas e seguro contra incêndio, essa obrigação deve recair sobre o locador, mas o contrato pode prever a distribuição conforme a vontade dos contratantes.

Mais uma obrigação que vem demonstrar a importância da redação contratual para formalizar a real vontade das partes, pois nos contratos verbais a prova torna-se muito mais difícil.

EXIBIR AO LOCATÁRIO, QUANDO SOLICITADO, OS COMPROVANTES RELATIVOS ÀS PARCELAS QUE ESTEJAM SENDO EXIGIDAS

 Poderíamos comentar essa obrigação conjuntamente com a obrigação de descriminas as verbas no recibo, pois, de certa forma, se estamos cobrando pelo consumo de água, energia/gás, impostos, outros encargos ou rateios, é imperioso que ocorra a devida prestação de contas.

A prova de pagamento afasta dúvidas quanto ao locupletamento sem causa do locador. A todo pagamento existe uma contraprestação.

Caso o locador entenda como onerosa a obrigação de prestação de contas, o ideal é que repasse ao inquilino a obrigação de pagamento, caso em que inverte o ônus de exibição dos devidos recibos.

Imóveis nos quais as contas de consumo não são individualizadas pelas unidades ou nos casos de locação multifamily, em que não há instituição de condomínio, mostra-se ainda mais importante o cuidado com a prestação de contas, principalmente sobre as despesas das áreas comuns.

PAGAR AS DESPESAS EXTRAORDINÁRIAS DE CONDOMÍNIO

Nos casos em que o imóvel locado está inserido como uma unidade em condomínio, o uso do bem pelo locatário extrapola a área privativa, permitindo-se logicamente a utilização das áreas comuns que também são transferidas e objeto da locação.

O uso não pode ser dividido. Por mais curiosos que possa parecer, há locadores que insistem em frequentar a área comum do prédio, mesmo com contrato de locação vigente.

Com o uso normal das áreas comuns e demais funcionalidades do condomínio, é justo que o locatário pague o rateio das despesas ordinárias de manutenção, como limpeza, jardinagem, água e luz da área comum, entre outras.

Contundo, assim como no imóvel individualizado, no qual as obrigações quanto a estrutura recaem ao locador, no condomínio não seria diferente. As despesas extraordinárias são aquelas que fogem da rotina, que servem para melhorias, como manutenção estrutural, reformas, fundos de reserva, pintura de fachadas, incorporação de acessórios e equipamentos de segurança nas áreas comuns, entre outras.

Citamos o fundo de reserva pois a lei trata como obrigação do locador, mas nos casos em que a convenção trouxer previsão de que a destinação da conta seja para pagamento das despesas ordinárias, é possível que o locatário assuma essa responsabilidade.

É importante que antes de locar o imóvel a imobiliária ou as partes busquem as informações adequadas sobre a natureza das verbas que compõem o rateio mensal do condomínio.

Concluímos este artigo com o alerta aos locadores de que, em contratos bilaterais, as obrigações são recíprocas, e que o descumprimento pode levar à judicialização desnecessária.

Esperamos que esses três pequenos artigos sobre a figura do locador, que não guardam cunho acadêmico, sirvam como orientação básica para todos envolvidos na relação locatícia.

Luis Fábio Mandina Pereira

Advogado especialista em Direito Imobiliário com Ênfase em Direito Notarial e Registral.

A FIGURA DO LOCADOR NAS LOCAÇÕES IMOBILIÁRIAS – PARTE 3
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