Infelizmente, por falta de consulta e orientação jurídica, muitas pessoas acreditam, de forma equivocada, ser o proprietário do imóvel, sem, contudo, ter a efetiva propriedade.
No ramo imobiliário, não são raras as vezes que ao indagar o consulente, escutamos a velha frase “mas eu tenho a escritura”, na crença de significar a propriedade do imóvel, porém, o que o cidadão não sabe é que a propriedade somente se adquire com o registro da escritura na matrícula do imóvel. (arts. 1127 e 1245 do Código Civil)
Portanto, é preciso esclarecer dois pontos essenciais: escritura pública não é matrícula, e a escritura pública pode ser de compra e venda ou de cessão de direitos possessórios.
Para melhor compreensão, escritura pública é a forma que se reveste o contrato de compra e venda de imóveis e que gera o direito à aquisição de direitos reais, sendo obrigatória para negócios que superem o valor equivalente a 30 (trinta) salários mínimos, vejamos:
Art. 108 CC. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Trata-se de um ato praticado pelo Tabelião de Notas, que recebe autorização para a prática do serviço público de forma delegada, materializando a vontade das partes, atribuindo fé-pública, autenticidade, garantindo a segurança jurídica e a publicidade ao ato negocial.
No entanto, a outorga da escritura pública no cartório de notas, por si só, não transfere a propriedade, pois, conforme os citados artigos 1127 e 1245, sem seu devido registro na matrícula do imóvel, apenas servirá como prova documental do negócio entre as partes e da transmissão de direitos, mas não de sua efetivação.
A ausência do registro da escritura permite que a propriedade possa ser reclamada por terceiros, seja outro adquirente, ou credores daquele que consta como proprietário à margem da matrícula imobiliária.
Já a matrícula do imóvel é a sua individualização, provada via certidão na qual constará seu registro na circunscrição imobiliária, sua especialização/descrição, e todos os registros e averbações que constituam ou alterem a propriedade e demais direitos reais ou de seus proprietários. É pelo registro da escritura na matrícula que se efetiva a propriedade imobiliária.
Desta forma, temos a escritura pública como o documento que garante o direito à propriedade e a matrícula como a inscrição imobiliária, onde essa escritura deve se registrada para que possa ter eficácia erga omnes, ou seja, ter validade contra qualquer pessoa.
A eficácia somente ocorrerá com o registro.
Superada a primeira distinção, passamos para a segunda, não menos importante.
É possível que a escritura pública não seja de venda e compra, mas uma cessão de dos direitos possessórios, pois, embora exista o dever do tabelião em esclarecer e ler o ato para as partes, a verdadeira compreensão nem sempre ocorre.
Como já explicamos, a propriedade somente se adquire com o registro na matrícula, gerando o direito real sobre o imóvel.
Essa propriedade garante ao seu titular o direito de usar, fruir, dispor da coisa e de reavê-la de quem injustamente a possua.
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Note-se o termo “dispor”, que significa alienar, vender, direito exclusivo do proprietário tabular, daquele que consta na matrícula. Muitas vezes a pessoa que transmite os direitos por escritura pública é apenas um possuidor, transformando o ato em cessão de direitos possessórios, passível realização tanto por instrumento particular como por escritura pública.
A posse é uma situação de fato, um direito inerente à propriedade, mas que nem sempre é exercido em razão desta. A posse nesse caso é considerada como direta, àquela que o possuidor exterioriza para a sociedade.
Para fins de escritura de cessão dos direitos possessórios exige-se que exista um justo título, comprovando a legalidade e a cadeia de transmissão, desde o proprietário até o atual possuidor.
A transmissão da posse, como uma situação de fato, pode ocorrer por simples exercício, seja entre particulares via negócios jurídicos ou mesmo por direito hereditário.
Muitas vezes o contrato particular, nominado de compra e venda, ou a escritura pública, são na verdade uma cessão de direitos, ainda que a transmissão ocorra de forma onerosa.
E quais direitos são transmitidos com a posse?
Ao possuidor com a posse justa e de boa-fé, a lei garante o direito ser mantido em caso de ameaça ou reintegrado em caso de esbulho possessório. Sendo também um dos direitos que integram a propriedade, a lei garante o direito de reclamá-la após de curso de prazo pela via da Usucapião, desde que sua posse preencha os requisitos legais.
A depender da natureza da posse e da cadeia de transmissão, a propriedade pode ainda ser reclamada também pela via da Adjudicação Compulsória.
Nessas breves considerações, buscamos esclarecer a diferença dos institutos que confundem a compreensão e geram uma falsa sensação de propriedade e quando mais necessitamos prová-la, percebemos que ela não existe.
Isso demonstra a necessidade em verificar a possibilidade de regularização da documentação imobiliária, seja para fins de exercício pleno de seus direitos, para a segurança jurídica da moradia e até mesmo para um eficaz planejamento familiar sucessório.
Luis Fábio Mandina Pereira – Advogado inscrito na Ordem dos Advogado do Brasil Seccional de São Paulo sob nº 247.360, especialista em Direito Imobiliário com Ênfase em Direito Notarial e Registral, sócio do escritório Mandina Pereira.
Publicado em 31 de maio de 2023