Artigos

A Enfiteuse e a alienação de imóveis em área de marinha

Facebook
Pinterest
Twitter
LinkedIn
Print
Email

A grande extensão do nosso litoral revela a quantidade de imóveis em terreno de marinha e que estão em área sob o regime de Aforamento / Enfiteuse.

A União possui em todo território mais de 750 mil imóveis e demonstra interesse na alienação desse patrimônio.

A questão que motiva o presente artigo é o crescente número de empreendimentos imobiliários na orla do litoral e, também, o negócio imobiliário de venda e compra do imóvel para veraneio, muitos de domínio público em área de marinha.

Na grande maioria dos casos o ocupante desconhece a natureza da relação jurídica que exerce sobre o imóvel, e o mercado imobiliário segue com as negociações ainda que de forma irregular.

É intrínseco ao brasileiro a busca pela segurança em exercer a propriedade sobre um imóvel. É como se a propriedade trouxesse uma proteção à família que o habita e suposta garantia trazida pela imobilização do capital.

Com o advento do Código Civil de 2002 a constituição de novas Enfiteuses foi vedada nas relações de direito privado, porém, o parágrafo segundo do art. 2038 manteve o instituto sobre os terrenos de marinha e acrescidos que são regulados por lei especial.

Ainda que definidos pelo art. 20 da Constituição Federal de 1988, o estudo da matéria inclui também legislações especiais, algumas no período do Império e que ao longo do tempo foram editadas com a finalidade de regular e distinguir os bens privados dos bens públicos. No decorrer do presente artigo é possível entender a ordem aqui estabelecida.

Os terrenos de marinha e seus acrescidos como bens imóveis da União tiveram como primeira legislação que os define e conceitua, o Decreto Lei nº 9.720/46 que assim dispôs:

 Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:

       a) os terrenos de marinha e seus acréscidos ;

Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:

       a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

       b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

       Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

Note-se pela redação do artigo segundo que a medida para apuração dos bens considerados de marinha é o preamar-médio do ano de 1831 constando ainda a influência das marés como limites.

Com o descobrimento do Brasil todas as terras passaram ao domínio da Coroa Portuguesa. Inicialmente a ocupação dessas terras foram transmitidas pelas Capitanias Hereditárias por meio das Sesmarias que antecede o regime da Enfiteuse, exigindo a demarcação territorial e o uso produtivo da terra.

Após a declaração da independência, o Governo passa a estabelecer critérios para distinguir a terra pública da terra particular e cria em 1850 o órgão que passaria a ser responsável por este serviço, denominado SPU (Secretaria de Patrimônio da União)

A denominada “Lei das Terras” nº 601/1850 e o Decreto 1318/1854 facilitaram o reconhecimento das áreas privadas. A primeira autorizou a transmissão onerosa da terra enquanto o Decreto regulamentou a questão de demarcação para extremar as terras de domínio público com as de domínio privado.

O Decreto de 1854 instituiu a obrigação dos possuidores em proceder o registro público dos imóveis que exercessem a propriedade ou posse de forma regular, vejamos:

Art. 91. Todos os possuidores de terras, qualquer que seja o titulo de sua propriedade, ou possessão, são obrigados a fazer registrar as terras, que possuirem, dentro dos prazos marcados pelo presente Regulamento, os quaes se começarão a contar, na Côrte, e Provincia do Rio de Janeiro, da data fixada pelo Ministro e Secretario d’Estado dos Negocios do Imperio, e nas Provincias, da fixada pelo respectivo Presidente.  

Também no mesmo ano foi promulgado o Decreto 1.834 que delegava ao Vigário o direito de receber as declarações de registro das terras públicas.

Note-se que as leis e decretos não tratavam do registro imobiliário ou regularização das terras públicas, tinham a finalidade precípua de produção, assentamento e arrecadação de impostos. A identificação da terra particular ganhava maior atenção legislativa.

O citado Decreto Lei 9760/46 que dispôs sobre os bens imóveis da União, foi omisso quanto a sua inscrição imobiliária, porém, atualizou o procedimento para demarcação e regularização da ocupação e serviu como marco inicial para maior atenção legislativa sobre a regulamentação e a alienação do domínio útil sobre terras públicas.

Dependendo da natureza da ocupação, seja posse ou detenção, há diferentes consequências como em casos de retomada pela União, eventual indenização, incidência de taxas, foro, laudêmios e demais implicações que serão objeto de um trabalho mais aprofundado.

Os negócios imobiliários que importem na transmissão do domínio útil ou do direito de ocupação sobre esses imóveis dependem de autorização da SPU e devem ser realizados por escritura pública.

É nesse ponto que chamamos a atenção para o fato de que a autorização da ocupação ou mesmo o registro imobiliário do aforamento não transferem a propriedade plena do imóvel.

Seja para moradia, veraneio ou empreendimento, é importante lembrarmos que o imóvel da União em área de marinha é passível de alienação quando não utilizado para fins públicos ou não incluídos nas demais exceções legais.

Para que a transmissão da propriedade plena ocorra é necessário que o imóvel em área de marinha e sujeito ao regime enfiteutico passe pelo aforamento, ou seja, o titular exerça inicialmente a regularização do domínio útil.

Nos casos de imóveis sem registro, o art. 195 B da lei 6015/73 deu à União a legitimidade para requerer perante o Registrador a abertura de matrícula de imóvel.

Aqui cabe ressaltar que o direito de propriedade do imóvel público não depende do registro imobiliário, cabendo à União proceder com o pedido caso tenha interesse em distinguir a terra. 

A regularização do aforamento se processa a requerimento do ocupante perante a SPU, prosseguindo com registro da enfiteuse, e assim transferindo efetivamente o domínio útil sobre o imóvel, correspondendo-lhe o equivalente a 83% (oitenta e três por cento) sobre o valor da terra.   

O domínio útil sobre o imóvel é registrado no fólio real por força do art. 167, item 10 da lei 6.015/73, passando o foreiro a exercer um direito real sobre coisa alheia.

Após o registro tabular do domínio útil o direito real entra na esfera da disponibilidade, exigindo-se nesse caso o assentimento do senhorio (União) que se dá mediante o pagamento do laudêmio.

O registro não só permite a alienação como também gera ao foreiro o direito à aquisição da propriedade plena que coloca fim nas contraprestações da Enfiteuse. Essa aquisição se dá pela remição que é processada perante a SPU e com autorização do Presidente da República.

No entanto, é necessário prévia declaração de que sobre o imóvel não exista motivos para manutenção do regime de enfiteuse, conforme determina o art. 103, II do decreto Lei 9760/46.

No Estado de São Paulo essa autorização foi concedida pela portaria 7.687 publicada em 01 de agosto de 2018, facilitando a desafetação dos imóveis em terreno de marinha.

Por fim, em que pese a segurança, publicidade e autenticidade fornecida pelo Registro de Imóveis, a presunção da veracidade sobre ser o imóvel público ou privado é relativa, exigindo sempre uma análise detalhada sobre a documentação imobiliária  

Encerramos esse breve estudo ressaltando a importância do instituto da Enfiteuse, em especial sobre os bens em área de marinha, compreendidos em uma faixa do litoral brasileiro e que geram considerável interesse do mercado imobiliário.

Luis Fábio Mandina Pereira – Advogado, atualmente Diretor da Comissão de Direito Imobiliário da 116ª Subseção da OAB São Paulo – Jabaquara/Saúde.

Fontes de Pesquisa:

Loureiro, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática – 10. Ed. rev. e ampl. – Salvador: Editora Juspodivm, 2019.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9636.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del2398.htm#art5i

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DIM/DIM1318.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0601-1850.htm

https://www.26notas.com.br/blog/?p=13303 Regularização de Imóvel no litoral, por Regina Pedroso. Publicação 19/04/2017.

_________________________________________________________________________

Publicado em 17 de março de 2021
Luis Fabio Mandina Pereira
Advogado no Mandina Pereira Escritório de Advocacia – Diretor da Comissão de Direito Imobiliário da 116ª Subseção OAB/SP

A Enfiteuse e a alienação de imóveis em área de marinha
Abrir Whatsapp
Olá, precisa de ajuda?